O conteúdo de hoje é muito especial: uma entrevista com Alexander Pircher, CEO de uma multinacional francesa aqui no Brasil e uma pessoa que fez uma mudança de gestão significativa na sua organização.
O que você vai aprender:
- Como olhar para o processo de maneira diferente, como ter uma visão diferente do dia a dia da sua empresa e do seu processo.
- Existe um potencial enorme nas pessoas que precisa ser compartilhado.
- Como transformar o seu modelo de gestão. O Alexander colocou isso na sua história, como fez desde o início e as suas dificuldades.
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Início da Entrevista
Marcelo Colleoni – Obrigado pela participação, pelo apoio e suporte. Você tem muita história para contar. Vale a pena mostrar esse modelo de gestão diferente. Queria primeiro que você se apresentasse, um breve resumo da sua história profissional.
Alexander Pircher – Obrigado pelo convite e é muito prazeroso compartilhar um pouquinho da experiência e das boas práticas, isso é onde a gente aprende mais. O meu nome é Alexander Pircher, sou CEO da ARaymond Brasil, empresa multinacional francesa, na nossa subsidiária aqui no Brasil. Tem 27 fábricas em 25 países e trabalha no mercado automotivo, energias, mercado farmacêutico, industrial e agricultura. Temos vários mercados, mas o mercado automotivo é o nosso carro-chefe. A nossa empresa é uma empresa familiar, tem 156 anos e no Brasil nós temos 25 anos. Nossa planta é em Vinhedo e somos parceiros de todas as montadoras. Um outro mercado que estamos explorando é o de energia solar, onde estamos fazendo a parte de fixações dos módulos de uma forma mais inovadora, ganhando mercado e está sendo bem interessante. Vou te falar um pouquinho sobre a forma de organização da empresa. Há uns 5 ou 6 anos atrás, eu que gosto de experimentar coisas novas, fiz um desafio com o meu time: como a gente tem que ser organizar no futuro para conseguir com a mesma coisa fazer mais. Se a gente consegue fazer mais com o mesmo, com a mesma qualidade de pessoas, a gente com certeza já consegue se diferenciar. Isso faz parte da nossa filosofia, da ARaymond. Construir em cima das nossas experiências, acho que levou a empresa para estar aqui depois 156 anos, na quinta geração, você tem um DNA diferente. Nós fizemos esse desafio, coloquei como questões: se a gente conseguir trabalhar mais de forma colaborativa, a gente vai quebrar as paredes entre departamentos e olhar muito mais o negócio como tudo. Como nós podemos garantir que todas as pessoas dentro da empresa entendam o nosso negócio, olhem o negócio e entendam onde eles estão inseridos, onde podem fazer diferença. Nós começamos, desenhamos num papel em branco dizendo tudo que tem sinergia e o que fica por fora. A gente pegou primeiro as linhas de manufatura e dividimos em 3 unidades de negócios e tentamos agregar o que faz sentido para cada uma delas seja autônoma e como a gente poderia colaborar melhor. Depois, a gente definiu um POC (Proof of Concept) na área da manufatura, onde falamos: ‘Como nós podemos mudar a forma de olhar o negócio?’. Essa unidade está responsável para fazer a produção interna do produto, se comprava a matéria-prima, a logística trazia, compras fazia as negociações. Depois, recebem a matéria-prima, transformam e vai para os terceiros e eles nem enxergam quando chega o produto para o cliente. A gente mudou para: ‘Se você estivesse responsável desde o pedido do cliente até a entrega do produto, não seria mais valor agregado e quais funções das outras áreas a gente precisa agregar para isso funcionar? E assim fizemos. Fizemos no papel e depois implementamos. E começou a funcionar, a olhar o processo do começo ao fim, do cliente até o cliente, e conseguimos observar uma coisa bem interessante: a responsabilidade do time, de cuidar do cliente mudou totalmente. A gente enxergou a responsabilidade de receber a demanda do cliente, transformar isso e conseguir atender no final o cliente dentro do tempo de demanda que ele precisa, eliminando os desperdícios e questionando o cliente ‘Você está sabendo o que você precisa?’. Muitas vezes, o cliente pede, faz as demandas, depois você discute as demandas e é mais briga do que agregar valor e, no final, virou uma parceria com o cliente. A gente vê essa convivência sendo muito positiva. Teve um momento, que as outras áreas, nas outras unidades de negócios falaram ‘O que está acontecendo aí? Nós queremos também.’ Eu disse que não era o momento, pois nós estávamos testando ainda e era preciso estruturar. Nós fomos para a área de desenvolvimento e vendas, fizemos a mesma coisa. Pegamos o time de lá, um time pequeno, e começamos a desenhar como a gente poderia trabalhar de novo a demanda do cliente, desde o desenvolvimento do produto até a implementação do produto em série, como a gente poderia reformular esses times. Antigamente, tinha o departamento de qualidade, de engenharia, vendas, produção. Criamos núcleos pela tecnologia, integrando todas as funções num time. A gente pegou quem era responsável da área de qualidade para toda a parte de aprovação de produto e colocamos dentro desse time, tiramos do time de qualidade e colocamos lá dentro. A gente trouxe quem estava segregado e colocou tudo na mesma área. Com isso, a gente conseguiu fazer de duas a três vezes mais projetos com a mesma qualidade e quantidade de pessoas, atendendo os prazos. De repente, não tem mais atraso e o time começou a questionar o cliente: ‘O que você está pedindo, o que está dizendo não é certo, precisamos melhorar todo o processo.’ E eles começaram a melhorar o processo e ter a frente do cliente um outro dizer, mostrando que somos expert em nosso negócio e podemos agregar valor ao cliente e tratar de uma outra maneira o negócio. Foi bem interessante ver todo esse comportamento diferente.
Marcelo Colleoni – Você tirou os silos que tem nas empresas departamentalizadas. Contas a pagar, contas a receber, produção, marketing e vendas. Você unificou tudo numa célula só.
Alexander Pircher – Nessa experiência está sendo demonstrado que é isso que a gente precisa fazer, que eu não sabia no começo o que a gente exatamente queria. Que não existia um modelo no mercado, nós começamos a desenhar a organização do futuro que a gente gostaria de ter, uma organização colaborativa. Um dos compromissos foi de dizer que todo mundo trabalha num time. De cima para baixo, de baixo para cima. Nós formamos um time de gestão, a gente chama de Core Team, onde eu sou o líder, sou o diretor presidente. Mas, na minha função sou líder e mentor das pessoas do time. Onde tem um que cuida do Business Stream e Business Development, outro para o desenvolvimento do negócio, um líder que é mentor do núcleo da parte de operações, na execução do produto, no final. Depois, tem todo o Business Support, todo o apoio a essas duas áreas para serem eficientes. Nós temos esses três núcleos na empresa que são compostos por times autônomos. A gente dividiu o Core Team, ele é responsável pela estratégia da empresa. Nós somos o elo estratégico da empresa pensando nos próximos cinco anos. Hoje, os líderes, Heads, desses núcleos são o time tático, têm que garantir o planejamento de um a três anos e garantir junto com time operacional de que o calendário anual, Business Year, é executado. Nós temos muito bem essa divisão das responsabilidades. Sempre falei que é muito mais divertido criar em vez de controlar os outros. Vamos pensar como nós podemos dar autonomia para as pessoas, eles criarem, pois são os responsáveis por produzir a peça. O que nós temos que dar para ele produzir melhor, para que ele consiga embarcar tecnologias novas e se preparar para essas tecnologias. Se ele consegue entender isso, ele embarca nisso, ninguém precisa controlar ninguém e você tem o gerenciamento, management, o problema da mudança, e você fala para ele ‘Imagina que você amanhã não precisa mais controlar esse colaborador, você pensa agora o que preciso preparar de tecnologia nova para fornecer para ele ser melhor ainda.’ Isso não é muito mais divertido, lógico que é. De repente, você tem uma dinâmica na empresa que todo mundo olha para frente, é bem interessante. Posso dizer hoje, depois de três anos de implementação oficial, é fantástico. A pandemia mostrou que nós fizemos na hora certa e estamos colhendo muitos frutos.
Marcelo Colleoni – A gente tem uma grande briga do comando e controle contra alinhamento, autonomia e responsabilidade. É muito mais simples, muito mais eficiente. A gente usa muito o braço, não usa o intelecto das pessoas. Começar a usar o intelecto das pessoas faz toda a diferença. Multinacional, 156 anos. Você pensa que só Startup pode fazer um modelo de gestão diferente. Por isso trouxe o Alexander aqui. É muito interessante saber que multinacionais também fazem esse processo. Não é uma questão de novas tecnologias ou novas empresas. Todo mundo está se remodelando e se adaptando às novas realidades. Como é que foi isso mundialmente na sua empresa, teve alguma repercussão?
Alexander Pircher – No começo, foi meio difícil de explicar. Não só no internacional, mas por exemplo, quando você tem auditoria, nosso certificado como automotivo ISO-TS, quando o auditor veio a primeira vez e eu expliquei para ele nova organização nacional ele disse ‘Mas não vai funcionar’. Tem um problema, porque nós não temos mais departamento de qualidade. Se você fala uma certificadora que você não tem mais departamento de qualidade, ele fala que a sua empresa não vai funcionar. Mas, depois de dois anos, a auditoria voltou e disse ‘Agora entendo o que vocês fizeram e funciona muito bem. Acho que esse vai ser o futuro.’ E assim foi também com a nossa organização internacional. Nós também temos um projeto chamado de ARaymond Motion que ele olha para 2030. Estamos preparando a organização global para 2030, nas tendências, nos negócios e na forma de trabalhar. Sou responsável de um projeto global de pensar como criar essas comunidades, modelo de comunidades, colaboração entre as unidades, entre as regiões, como criar um campo de trabalho maior para os talentos. Ele trabalha hoje no Brasil, mas a gente é uma unidade pequena, se você pensar. A gente restringe o talento, mas se consigo ampliar o campo dele e ele conseguir contribuir, não só no Brasil, mas na região das Américas e depois global, certeza que ele vai crescer muito, vai ficar muito mais feliz e o retorno para empresa vai ser muito maior. Nós estamos preparando, faz uns três anos, e está trazendo os frutos surpreendentes. Foi bastante resistente no começo, mas hoje posso dizer que a empresa inteira está embarcando nisso. Todo mundo está indo numa direção mais colaborativa. A nossa matriz dá muito mais suporte do que manda na gente. O nosso Presidente fala ‘Quem sabe melhor o negócio da América do Sul são vocês. Eu não sei nada, estou sentado na França e não sei. O que eu posso ajudar para dar certo?’. E mais ou menos isso é a filosofia. Esse trabalho em conjunto cria muita profundidade. Você consegue aumentar cada vez mais seu escopo e está envolvido em projetos regionais e globais que no final trazem efeito para cá, você consegue dividir as melhores práticas como os outros, respeitando a cultura. Você entende como funciona, talvez no Brasil, o que posso pegar que funcionaria na minha cultura e adaptar isso e, talvez, colocar um novo ingrediente nessa solução, que depois eu, do Brasil, vou olhar ‘Interessante, não tinha pensado nisso, eu vou trazer isso’. O modelo que subindo cada vez mais, deixaria cada vez mais sofisticado. Eu acho que é uma dinâmica muito sustentável. É muito divertido na verdade, porque experimenta e muita coisa que dá errado, e se não funcionou, não tem problema.
Marcelo Colleoni – Se você testa e existe uma penalidade pelo erro, você não vai testar. Se tem alguma coisa que dá autonomia e dá liberdade para isso, ótimo. Dificuldades das pessoas, qual que é a faixa etária que você tem de pessoas, mais ou menos?
Alexander Pircher – Tem de tudo, de jovens até pessoas se aposentando. Acho que é uma boa mistura. O problema da mudança está em todas as faixas. Os problemas são diferentes, a gente precisa entender, estamos tentando fazer um bom Change Management, respeitando essa mudança para todo mundo, um desafio na verdade. E como nós podemos dar suporte para as pessoas e, quando a gente tem alguma mudança a fazer, a gente sempre fala ‘Vamos identificar quem quer mudar.’ Mesmo ele não tendo o Skill, a habiliade. ‘Mas essa pessoa é muito jovem, não tem experiência’, não importa, ele quer. Então, você oferece ajuda para o caminho dele. Agora, se você escolhe o expert, que não quer, você vai gastar energia à toa. Mas tem que respeitar, ele talvez não tenha chegado no momento, ele vai embarcar porque entende o sentido e uma vez quando ele embarca, não tem mais ninguém que para ele. Tem que entender muito bem e respeitar isso. Acho que ter paciência é importante, nem tudo dá certo no primeiro momento.
Marcelo Colleoni – Só acertando a gente não aprende muitas coisas, errando a gente vai ajustando e vai aprendendo. A motivação das pessoas, como é que foi?
Alexander Pircher – Quando as pessoas entendem, acho que isso é legal, você experimentar algumas coisas, dar essa liberdade, deixar errar, guiar pela mudança, acho que é fundamental. Sempre estar lá como mentor, mostrar o caminho, de questionar, de desenhar. As pessoas têm que enxergar onde nós estamos e aonde nós queremos chegar, que vai ter um caminho que a gente tem que caminhar, que vão ter percalços no meio do caminho, pedras que você tem que tirar do caminho, não tem problema. Tem que estar próximo deles para saber quando podem escalonar, pedindo ajuda. E vai andando para ganhar esses pequenos passos, isso traz uma motivação enorme. As pessoas ficam até com fome de mais, não querem parar mais.
Marcelo Colleoni – Já comentei esse seu modelo em conteúdos anteriores, mas nada como você para dar os detalhes. A última pergunta: o resultado para a empresa, não em números absolutos, mas o quanto isto gerou de resultados diferentes para sua empresa?
Alexander Pircher – Na verdade, você amplia muito seu poder de trabalho, de criação e inovação. Você, às vezes, no começo assusta o cliente, porque você pergunta coisas que ninguém perguntou até agora. Você começa a se interessar pelos negócios deles. Um trabalho que fizemos, um Business Model Canvas para cada negócio nosso, e trabalhamos com times para eles chegarem onde agregar valor. Um exemplo, a área de compras falou ‘Não sabia que eu posso agregar outras coisas, se soubesse antes estaria trazendo muito mais valor para a empresa’. As pessoas automaticamente enxergam de uma forma diferente. Você no final, tem uma oportunidade de crescer mais no mercado, ganhar seu espaço, consegue trazer novas tecnologias de fora, porque as pessoas estão com fome de adaptar e colocar isso em campo. Na parte de desenvolvimento, a gente adaptou algumas metodologias visuais de trabalho, porque a gente precisou garantir que todo mundo tenha a informação na mão no time colaborativo. Hoje, a gente consegue fazer com a mesma equipe duas ou três vezes de projetos que a gente conseguia fazer antes e o mais importante, com melhor qualidade. Embaixo da linha o resultado é consequência. O resultado é consequência do que você faz. Se você olha para um indicador, ele não significa nada, é o termômetro do seu resultado, de todo o esforço que você fez. Se você não muda nada, ele não vai mudar. Isso também todo mundo entende, tem que questionar as coisas.
Marcelo Colleoni – Isso é bom, isso que motiva, dá fôlego para o pessoal e vontade de aprender cada vez mais.
Alexander Pircher – E você está com um novo desafio, tem que preparar a empresa para o próximo desafio. Por exemplo, digitalização, tem que se preparar, tem que aprender, trazer especialistas disso de fora. A gente faz muita coisa já pelo nosso DNA, mas acho que podemos ser muito mais. Estamos nos preparando para isso.
Marcelo Colleoni – Muito obrigado. Foi uma conversa bem interessante, porque muitas pessoas acham que é um grande paradigma isso, principalmente para multinacionais.
Alexander Pircher – Tem que ter coragem, não tem que ter medo. Vai errar, sim, mas se ficar parado e não fizer, também vai errar. Acho que é muito mais sábio tentar, juntar o time, eles sabem a solução, você tem que guiá-los pela mudança e vai se surpreender quantas soluções eles trazem e como eles podem também surpreender o cliente. Isso é uma experiência fantástica.
Marcelo Colleoni – Sem dúvidas, eu acredito nesse modelo desde que a gente conversou naquela vez, fiquei pensando como, queria visitar, mas com essa pandemia, não consegui. Obrigado por dedicar um pouco do seu tempo a explicar esse modelo que é um modelo de sucesso, moderno, de tendências de mercado. É um modelo muito mais colaborativo, mais forte do que o modelo de você contratar braço e ficar cobrando. Você paga duas vezes a mesma coisa, o colaborador faz e você o controla.
Alexander Pircher – Se tem coisa errada ele vai esconder de você de qualquer jeito.
Marcelo Colleoni – Claro, ele tem medo e vive na gestão do medo. Ele recebe uma gestão pelo medo, então faz as coisas escondido.
Alexander Pircher – Todo mundo que trabalha na gestão sabe disso. Quando tem uma coisa escondida na gaveta, normalmente o problema só aumenta. Melhor colocar em cima da mesa e falar ‘O que aconteceu, o que vamos fazer, como vamos resolver e como vamos garantir que isso não aconteça mais’. Quem foi e como foi, não importa. É aprender com isso, e quando você criar essa metodologia de trabalho, essa filosofia, você vai ver como as pessoas eliminam esses problemas. De repente, não existe mais, porque já sabem no primeiro momento o que fazer e não chega esse iceberg. Depois de ter um monte de problemas, pepinos, cliente ligando, que você pode eliminar, você dorme muito melhor.
Marcelo Colleoni – Foco na solução e não no problema. Obrigado mais uma vez pela sua participação, pelo seu tempo, pelos ensinamentos. Conteúdo muito rico, muita experiência para compartilhar, uma vivência prática, resultados significativos de uma empresa extremamente tradicional, quinta geração na empresa familiar, 156 anos. É uma mudança significativa. Foi feita, funciona e funciona muito bem. Acredito muito nesse modelo, por isso que quis trazer essa entrevista para as pessoas perceberem o quão é viável de ser realizado.